Na
última crônica, falamos sobre a fantástica fórmula literária: crime,
investigação e solução. Como a invenção da roda, que nos dias de hoje ninguém
se pergunta como alguém teve essa ideia, também com o romance policial acontece
o mesmo. No entanto para criar esse homem que é uma máquina de pensar, Poe teve
de incorporar muito bem a sua época.
Quando
ele engendrou “Os Crimes da Rua Morgue”, era a época do positivismo. Comte criava a
sociologia, uma ciência fundada na análise de fenômenos diretamente
observáveis. No positivismo, considerava-se como único conhecimento legítimo o
que se encontrava nas ciências naturais, baseado na observação, experimentação
e utilização de conceitos matemáticos. Acreditava-se que a ciência deveria
basear-se na evidência (que fornece idéias claras e distintas) e na dedução que
as encadeia (técnica que o primeiro detetive vai usar). Era a época em que Charles Darwin ,
baseado na observação da natureza, estava formulando o seu livro “A Origem das
Espécies”.
E foi
baseado na observação que, aos poucos, percebeu-se que mesmo no anonimato da
cidade grande, o criminoso deixava marcas. Ninguém se deslocava sem deixar
traços. Muitos foram os folhetins publicados na imprensa da época que falavam
de violência e crimes. No entanto, foi Edgar Allan Poe quem criou um homem genial,
capaz de observar cientificamente cada um dos traços deixados pelo criminoso, e
que através deles, vai ser capaz de detectar o assassino.
Esse homem genial também
teve uma pitada de influência do romance de cavaria do final do período
medieval. O romance de cavalaria era feito de um enredo cheio de suspense e
violência, e que tinha como propósito o modelo cristão em que os cavaleiros do
bem, que em geral saíam em busca do santo Graal, após muitas e variadas
peripécias, vencessem o mal. Chandler, num ensaio, fala do detetive como um
cavaleiro errante pelas ruas de Los Angeles, a cidade grande. Acredito que o
romance policial traz também dos romances de cavalaria a sua carga mítica: a
grande luta do bem contra o mal que termina por apontar o criminoso, resgatando
assim o mundo do caos.
O fato é
que apesar de boa parte dos críticos considerarem a literatura policial como um
gênero menor, ela é um dos gêneros mais lidos no mundo. Seu público é eclético
e variado: adolescentes e idosos, profissionais liberais, intelectuais,
professores universitários, pesquisadores, homens e mulheres, aposentados, etc.
Ainda não existem estudos definitivos para explicar o porquê desse gosto do
leitor. Talvez a explicação seja que o uso da fórmula (crime, investigação e
solução) na construção literária traga em si uma grande carga mítica. Ela passa
a funcionar como um arquétipo, pois satisfaz as exigências do bem vencer o mal.
Existe também um grande desafio intelectual entre o leitor e o detetive. O
leitor segue o raciocínio lógico e, junto com o detetive tenta desvendar o
crime. Quando finalmente o detetive captura ou
simplesmente aponta o criminoso, há uma sensação de que o mundo foi resgatado
do caos, que a ordem foi restabelecida.
Como vimos, foram necessários séculos de História e Civilização e
uma conjunção de revolução industrial, literatura gótica, romances de cavalaria
e filosofia positivista para que Allan Poe juntasse tudo isso numa
coqueteleira, chacoalhasse bem e produzisse o detetive. Esse homem genial
traz a cada um dos leitores o prazer de enveredar num cotidiano repleto de
minúcias, onde o raciocínio lógico deságua num final feliz e, diferentemente do
que vemos acontecer na realidade dos dias de hoje, o bem sempre vence o mal,
proporcionando aos leitores a mesma satisfação do mundo mágico dos contos de
fadas! Com tudo isso é fácil se tornar uma “addicted”!
Se você gostou, acompanhe a coluna. Quarenta anos depois, Sir
Arthur Conan Doyle usou a fórmula com maestria! Um estudo em vermelho! Até lá!
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